quarta-feira, 1 de outubro de 2008

4 Pudins

Ficam avisadas de que o uso exagerado de fast food pode ser prejudicial à boa forma física e condicionar o libido.
Estas moçoilas faziam parte de uma girl's band, de seu nome Spice Girls.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

quarta-feira, 30 de julho de 2008

sábado, 26 de julho de 2008

Um E-mail que Recebi...



Um email que acabo de receber:


Nasceste antes de 1986?


Então lê isto...
Se não... lê na mesma....

Nascidos antes de 1986.

De acordo com os reguladores e burocratas de hoje, todos nós que nascemos nos anos 60, 70 e princípios de 80, não devíamos ter sobrevivido até hoje, porque as nossas caminhas de bebé eram pintadas com cores bonitas,em tinta à base de chumbo que nós muitas vezes lambíamos e mordíamos.

Não tínhamos frascos de medicamentos com tampas 'à prova de crianças', ou fechos nos armários e podíamos brincar com as panelas.

Quando andávamos de bicicleta, não usávamos capacetes.

Quando éramos pequenos viajávamos em carros sem cintos e airbags, viajar á frente era um bónus.

Bebíamos água da mangueira do jardim e não da garrafa e sabia bem.

Comíamos batatas fritas, pão com manteiga e bebíamos gasosa com açúcar, mas nunca engordávamos porque estávamos sempre a brincar lá fora.

Partilhávamos garrafas e copos com os amigos e nunca morremos disso.

Passávamos horas a fazer carrinhos de rolamentos e depois andávamos a grande velocidade pelo monte abaixo, para só depois nos lembrarmos que esquecemos de montar uns travões.

Depois de acabarmos num silvado aprendíamos.

Saíamos de casa de manhã e brincávamos o dia todo, desde que estivéssemos em casa antes de escurecer.

Estávamos incontactáveis e ninguém se importava com isso.

Não tínhamos Play Station, X Box.

Nada de 40 canais de televisão, filmes de vídeo, home cinema, telemóveis, computadores, DVD, Chat na Internet.

Tínhamos amigos - se os quiséssemos encontrar íamos á rua.

Jogávamos ao elástico e à barra e a bola até doía!

Caíamos das árvores, cortávamo-nos, e até partíamos ossos mas sempre sem processos em tribunal.

Havia lutas com punhos mas sem sermos processados.

Batíamos ás portas de vizinhos e fugíamos e tínhamos mesmo medo de sermos apanhados.

Íamos a pé para casa dos amigos.

Acreditem ou não íamos a pé para a escola;

Não esperávamos que a mamã ou o papá nos levassem.

Criávamos jogos com paus e bolas.

Se infringíssemos a lei era impensável os nossos pais nos safarem.

Eles estavam do lado da lei.

Esta geração produziu os melhores inventores e desenrascados de sempre.

Os últimos 50 anos têm sido uma explosão de inovação e ideias novas.

Tínhamos liberdade, fracasso, sucesso e responsabilidade e aprendemos a lidar com tudo.

És um deles?

Parabéns!

Passa esta mensagem a outros que tiveram a sorte de crescer como verdadeiras crianças, antes dos advogados e governos regularem as nossas vidas, 'para nosso bem'.

Para todos os outros que não têm a idade suficiente, pensei que gostassem de ler acerca de nós.

Isto, meus amigos é surpreendentemente medonho... E talvez ponha um sorriso nos vossos lábios.

A maioria dos estudantes que estão hoje nas universidades nasceu em 1986, ou depois. Chamam-se jovens.

Nunca ouviram 'we are the world' e uptown girl conhecem de westlife e não de Billy Joel.

Nunca ouviram falar de Rick Astley, Banarama ou Belinda Carlisle.

Para eles sempre houve uma só Alemanha e um só Vietname.

A SIDA sempre existiu.

Os CD's sempre existiram.

O Michael Jackson sempre foi branco.

Para eles o John Travolta sempre foi redondo e não conseguem imaginar que aquele gordo tivesse sido um deus da dança.

Acreditam que Missão impossível e Anjos de Charlie, são filmes do ano passado.

Não conseguem imaginar a vida sem computadores.

Não acreditam que houve televisão a preto e branco.

Agora vamos ver se estamos a ficar velhos:
1. Entendes o que está escrito acima e sorris.
2. Precisas de dormir mais depois de uma noitada.
3. Os teus amigos estão casados ou a casar.
4. Surpreende-te ver crianças tão á vontade com computadores.
5. Abanas a cabeça ao ver adolescentes com telemóveis.
6. Lembras-te da Gabriela (a primeira vez).
7. Encontras amigos e falas dos bons velhos tempos.
8. Vais encaminhar este e-mail para outros amigos porque achas que vão gostar.

SIM ESTÁS A FICAR VELHO heheheh , mas tivemos uma infância do caraças.

Mais Coisas da Tropa...

Manobras da Região Militar de Lisboa, Companhia de Acompanhamento, Pelotão de Armas Pesadas, comandado pelo Aspirante a Oficial Miliciano de Infantaria 3T.
Nota técnica:
O canhão sem recuo 10.6 é uma arma anti-carro e anti-pessoal. O seu aparelho de pontaria é uma arma semi-automática de pequeno calibre, que dispara munições tracejantes, de fósforo branco. Onde essa bala acertar, acerta a granada expelida pelo canhão. Assim se pode corrigir a pontaria, sem estar a gastar granadas caríssimas.
O disparo dessa pequena arma, colocada sobre o canhão, faz o som de uma vulgar carabina, ao passo que o canhão, meu Sued, faz cá um estrondo...
Em pleno fogo contra o alvo de sacos de terra, a rádio crepita e estala: "Avó 3 de Avó 1. Ó 3T (como terá sabido o Capitão L. que eu iria ter aquele nick?), vai ter a visita do nosso Ministro, que vem ver o canhão 10.6 em acção. Ponha-se fino, senão não há fim-de-semana para ninguém durante o resto da tropa, ouviu?"
Em breve chegava a caravana ministerial, cheia de generais e brigadeiros e outros bichos, com S.Exa. o Ministro no meio.
Este vinha à paisana, mas de belo sobretudo azul escuro e chapéu de diplomata bem enterrado no crâneo.
Todos preparados, o Aspirante 3T resolve ser simpático, e diz:
"Como esta arma faz muito barulho, é melhor todos taparem os ouvidos e abrirem a boca, se faz favor."
A comitiva e Ministro assim fazem, ficando de dedos enfiados nas orelhas e bocas abertas.
Dou ordem de fogo. O apontador dispara a pequena arma que deixa um rasto de fumo branco e uma pequena nuvem branca em cheio no alvo. Boa pontaria! O barulhinho da arma surpreende o Ministro, que deve ter pensado que era só aquilo e que o Aspirante era meio maricas.
Virilmente, tira os dedos dos ouvidos e diz:"É só isso, nosso Aspirante?"
Nesse momento, o apontador continua o gesto e dispara o canhão.
KA-BLAAAAAM!!!!!!!!!
Juro que o chapéu do Ministro saltou ligeiramente sobre a cabeça dele, e que deve ter ficado umas semanas a ouvir abelhas dentro do cérebro.
Por entre as nuvens de fumo e de pó, balbuciou um obrigado, e a comitiva toda zarpou, meio zonza...
Não houve cortes de fim de semana.

Mais Coisas da Primária...

Estive na Escola Primária Oficial Nº xx, ao Arco do Cego, que ainda existe, bem como a Cruz de Malta, pegada à escola. Morava ao cimo da rua e era sempre o primeiro a chegar. Escrevíamos com aparos 404, molhados com cuspo em novos, para que a tinta ordinária, mas dada pela escola, a eles aderisse. Os cadernos também eram dados pela escola, e os livros eram ao preço da chuva. Mas o Raposo, sentado atrás de mim, picava-me o rabo com um alfinete, para eu me retorcer e para que o prof me ralhasse. Tive de me aliar ao Ferraz para neutralizar o Raposo, num dos recreios. Nunca mais me picou o rabo...
Circulava entre nós a obra "A Marca dos Avelares" que fez mais pela educação sexual da malta daquele tempo. No recreio, jogava-se ao pião, ao berlinde, à bilharda e à porrada.
Tudo machos.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Coisas de Brinquedos...

No campo, eram as fisgas ou atiradeiras, feitas com um Y de ramo de árvore, elásticos de câmara-de-ar de pneu e um rectângulo de sola ou coiro. Projéctil: um seixo rolado de rio.

Havia também quem fizesse arco e flecha de varetas de chapéu-de-chuva e um barbante, e quem furasse a perna à irmã...

Havia ainda a pequena pistola feita com meia mola de roupa, de madeira.
Tudo artesanal e a custo zero, nada de pistolas de raios cósmicos e espadas de laser, cheias de pilhas de volte e meio.

Ainda sou do tempo dos carrinhos de rolamentos de esferas. Com o rodado dianteiro articulado, manejado por dois barbantes, e travões de sola (de sapato)... antecessores dos karts.

Não havia muito dinheiro para comprar brinquedos, por isso improvisava-se. Aquelas canas verdes, de folhas cortantes... o que se podia fazer com elas, Sued.

A malta de agora nem sabe o que perdeu... a chicha de trapos, a taramela movida pelo vento, as caricas com lastro de casca de laranja ou cera de vela, os bilas de pedra e vidro injectado, os piões de madeira clara e ponta de prego grande, o chinquilho, o eixo, o arco de empurrão, o tim-tim, a bicla pasteleira do pai ou tio...

Babo-me de gozo...

Mais Coisas de Bailes...


As matinés dansantes do Lisboa Ginásio Clube, em Lisboa, perto do Largo de Santa Bárbara.
Casaquinho e gravata, senão não entram os ninos. Tias e mães por todo lado, a vigiar e zelar pela integridade de sobrinhas e filhas. Música ao vivo, claro, ali no ginásio central, geralmente 3 ou 4 elementos, com boa amplificação.
As ninas, muito compostas, sentadinhas em cadeiras, com Tias e Mães atrás. A malta no meio da pista, aos magotes, a tentar saber de que altura ela seria, quando se levantasse para dançar e se daria encosto. Se possível, e se já se conhecesse a nina, fazia-se um sinal de liques a dizer que a iríamos convidar. E íamos devagar, para que ela tivesse tempo de dar uma ou duas tampas.
Íamos buscá-la ao lugar, sob o olhar crítico da tia ou mãe, e seguíamos para o centro da pista.
Se ela encaixava logo, muito bem. Se se punha à distância, azar o nosso. Não se podia puxar por elas, por causa dos fiscais de linha que andavam a passear pela pista, à coca dos encostos.
Se ela era pés de chumbo, azar. Tínhamos de ficar com a nina nos braços por três danças, com breve intervalo. Só depois se podia mudar de par. Às vezes, a nina dizia que estava cansada e a malta percebia e ia logo pô-la no sítio.
Notem que estamos a falar de três slows, swings, tangos, boleros, chachacha, foxtrot, etc. No caso de tangos, terminava sempre com um pasodoble ou uma valsa. Era castiço, mas era assim mesmo. Até as solas dos sapatos queimavam, Sued. E conversava-se, e suava-se, e amarrotava-se as calças e o casaco, e as nossas mãos suadas ficavam marcadas nas costinhas dos vestidinhos delas. Muitos engates se faziam, nas matnés do Lisboa Ginásio, puerra. Coisas que até deram em casamento, juro. (Por exemplo, eu conheci a Tia num baile particular nas Amoreiras, mas isso fica para outrra vez.)
Depois, havia um bar e bilhares. De mãozinha na algibeira esquerda das calças, lá íamos beber umas bejecas, mas depois punhamos spray na boca, por causa do hálito a levedura.
Aquilo durava até às 20h, e lá voltávamos para casa, a trocar impressões sobre as ninas, se dançavam bem, como dançavam, se encostavam, etc.

Mais Coisas da Faculdade...

E quando me sentei para fazer o exame de admissão à Fac, todos muito apertadinhos naquela sala pequena, cheios de nervoso miudinho, meti a mão no bolso para ver se não me tinha esquecido dos meus auxiliares de memória (vulgo cábulas). Não tinha.
Sentei-me, e ao meu lado, logo a seguir, sentou-se uma freira gorducha, de farda número um, com o hábito completo, todo o fatinho de ver a Deus, longas saias e tudo, cabeção e etcetera.
Vi logo que estava tramado, porque, se rapasse dos aide-memoire, a santinha ia logo estrilar e fazer tsc-tsc com ar reprovador, e quiçá chibar-se... Do outro lado, um caramelo com idade para ser meu avô.
"Estou feito", pensei. E preparei-me para o pior.
Pontos distribuidos (até nem eram muito dificeis), o sol raiou para mim:
A soror remexeu nas volumosas saias e rapou de uns papelinhos enrolados e cheios de santidade, e algum cheiro a naftalina.
Mais feliz fiquei, quando o que podia ser meu avô apareceu também com uns rolinhos de papel, do mais artesanal possível.
Eu tinha subestimado a engenhosidade manhosa da Igreja, e a criatividade da terceira idade lusitana.
Cool.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Coisas de Bailes...

Lisboa estava cheia de bailes particulares, chamados "assaltos". Levava-se música em vinil ou fita, uns comes elas e uns bebes nós, os pais iam dar uma volta, e a malta enrolava os tapetes e pimba.
Nós éramos penetras. Íamos pela rua, ouvíamos música a saír das janelas, subíamos e perguntávamos se o U.C. já tinha chegado. Nunca cheguei a conhecer este U.C., mas lá que ele era muito popular, era. Estava em todas.
Diziam-nos que ele não estava, e iam dizendo para entrarmos, que era o que nós queríamos. Lá entregávamos a garrafinha de chá, e toca a bailar, sem sequer sabermos quem dava a festa e de quem era a casa e como se chamava a nina da casa.
Nessa altura, eu tinha um amigo do Marrocos, com quem praticava muito Francês, calão e tudo. Resolvemos dizer a todos que eu era estrangeiro, só falava francês e não percebia uma de português.
Lá me fui safando, ouvindo aquele francês macarrónico das ninas que queriam saber se eu gostava do Portugal e das garçonnes, ao que eu respondia mais ou menos fluentemente, para gozo do bando de penetras com que andava na época.
Mas havia um gajinho, bem à Tuga, que, quando soube que eu não falava português, andava sempre atrás de mim a gozar, chamando-me assim uns nomezitos. E eu não podia devolver, claro. Ouvia e sorria, pensando: "Deixa estar, pá, deixa estar."
Mas, entretanto, ia gozando da hospitalidade das ninas e da sua curiosidade pelo "estranjeiro".
Nisto, o JP veio ter comigo e levou-me para um canto, e sussurrou: "Eh pá, estás f..., porque a dona da casa quer conhecer-te, e ela é belga..."
Estou feito, pensei eu. Posso baratinar umas ninas e uns gajos, mas não consigo enganar uma belga. Vai ser um desastre...
Lá fui ter à saleta da senhora, que era de meia-idade e toda triques. Depois de meia-dúzia de frases, diz-me ela, em belo francês: "Mas você não é francês, tem um sotaque estranho... Que é você, afinal?"
Engoli em seco e disse-lhe que era marroquino branco, descendente de franceses (um pied noir, como se dizia). Ela respondeu, sorrindo para mim com os seus belos olhos azulados: "Ah, bom, isso explica tudo. Vá lá, volte lá para o baile, mon ami."
Aliviadinho voltei e tudo continuou até acabar a matinée. À saída da casa, lá estava o puto tuga a rir-se para mim e a preparar uma despedida.
Não teve tempo. Antes que ele abrisse o bi.co, despejei-lhe, a meia-voz, tudo o que de mais insultuoso e obsceno sabia, em bom português, e era muito, acreditem...
Os meus amigos gozavam que nem uns perdidos e a boca do nino ia-se abrindo até tocar nos pés.
Saímos todos quentinhos e bem comidos, aliviados do stresse, de mais uma das paródias urbanas daquela época.

Coisas de Teatro...

Companhia de Teatro Itinerante Rafael Oliveira
Esta companhia fez mais pelo Teatro, em Portugal, do que qualquer organismo governamental, ou privado, da época.
Percorriam o País de lés a lés, família e anexos, desempenhando todas as actividades inerentes ao Teatro, desde actuação a carpintaria de cena, adereços, electricidade, etc..
O repertório poderia não ser dos mais eruditos, mas concitava entusiasmo, por onde quer que fosse. As pessoas faziam bicha, no interior da ruralidade nacional, aguardando horas pela abertura da sala, ansiosas pelas pancadas de Molière, e deliciando-se com as tragédias e comédias que a Família Oliveira lhes (nos) trazia.
Creio que o conhecido comediante Camilo de Oliveira é descendente desta Família, e até talvez tenha participado em sessões de teatro ambulante.
Não assisti pessoalmente à cena que vou relembrar, mas acho que merece ser descrita aqui e para vosso conhecimento.
Tratava-se de uma cena em que um personagem tinha de queimar uma carta comprometedora em cena, após o que outro actor entrava em palco, fungava, e dizia: "Cheira-me aqui a papel queimado!". A deixa era crucial para a evolução da peça.
O aderecista de cena esqueceu-se de colocar fósforos em cena, e, como o actor não tinha com que queimar a carta comprometedora, decidiu rasgá-la e colocar os pedaços no cinzeiro, esse, sim, presente em cena.
O actor que deveria entrar em seguida, e dizer "Cheira aqui a papel queimado", não teve outro remédio senão entrar e clamar, em voz bem alta: "Cheira aqui a papel rasgado!"
Consta que o interesse pela peça não diminuiu por isso.

Coisas de Cinema...

A malta estava sedenta de cultura, distracção, chama-lhe o que quiseres. E havia tão pouca, sobretudo no meio rural, em que se trabalhava de sol a sol, homens e mulheres, ajudados pelos filhos mal saíssem da escola. Arrastavam-se para casa, para o prato de aluminio estanhado com esparguete, batata, cebola e algum "conduto". Arrumar, limpar e lavar, meia de conversa, e cama, que amanhã há mais... O petróleo era caro, as velas também. Havia que aproveitar a luz do sol. A roupa a corar, na relva, presa com seixos do rio, para não voar. Os dentes a doer, a apodrecer na boca, que mirrava... O pé descalço nos torrões da lavra, a rodilha na cabeça para apoiar a enfusa, aquelas roupas negras ou cinzentas, só cortadas pelo grito de dor de uma faixa vermelha ocasional. As rugas fundas da pele tisnada, as ancas largas de fêmea parideira sem juventude, atolada em água até ao joelho, nos arrozais. E cantavam, Sued, e cantavam... Como tinham forças para cantar?
Não era gente de muitas missas, não. Lá havia beatas e carpideiras. Mas tudo se casava à sombra da Cruz, tudo era baptizado em nome dEle.
Mas havia cinema duas vezes por semana, puerra. Ali, ao pé da ponte, no velho Cine-Teatro com colunas de ferro e cadeiras de suma-pau. E frisas lá em cima, Sued, e camarotes...
Primeira plateia, segunda plateia, primeiro balcão, segundo balcão, geral...
O filme (a fita) partia-se aí umas quinhentas vezes por sessão. Pára e cola. Acende a luz da sala e conversa. Vai lá fora fumar um enrolado. Cheirava a mijo, a suor honesto, a vinho tinto e tremoços...
Dobragens não havia. Era tudo legendado. Nunca ouvi o John Wayne falar espanhol, árabe ou francês, nem os indios falar alemão ou italiano.
Mas as legendas tinham um pequeno problema: só podiam ser lidas por escassa minoria alfabetizada: as crianças que frequentavam a escola do Professor S.P.
E, assim, em volta de um alfabetizado sentava-se um grupo de analfabetos, para ele lhes ler as legendas em voz alta, para eles perceberem melhor o enredo do filme. Era um coro polfónico total, uma melopeia monótona e monocórdica, tipo teatro grego, que muito exasperava os betos e betas do balcão.
E dialogava-se: "Amo-te muito", lia o alfabetizado. E os analfabetos replicavam: "Mas quem, mas quem, ela ou ele? Quem diz isso? Ela ou ele?"
Era assim. Mas o cinema estava sempre cheio.
Que fome havia, Sued. Que sede havia, Sued.
Siga a música.

Coisas de Línguas...

Porque será que determinados povos têm tanta dificuldade em falar Português? Talvez a sua língua não tenha os sons da nossa, talvez não tenham muita vontade ou necessidade de aprender. Mas lá que o Português é dificil para certos estrangeiros, é.
Uma vez, fui interpelado por um casal de camónes, no Largo do Calvário, em Lisboa, que, depois de consultarem um papelinho, me perguntaram, no seu Inglês, como se ia para "Achíton". "Achíton?" Pedi-lhes que me mostrassem o papel e li o nome da terra. Era Azeitão...
Tive um prof nativo do Reino Unido que andava a tentar aprender Português, sobretudo ouvindo o que se dizia em sua volta. Depois, chegava à aula e perguntava-nos o que queria dizer... e imitava os sons do que ouvira.
Conseguimos sempre esclarecê-lo, até que um belo dia ele nos apareceu e perguntou-nos o que queríamos dizer com "Css-css".
Ficámos aflitos. E ele dizia que era uma frase que nós dizíamos uns aos outros nos transportes, nas entradas e saídas, etc..
"Css-css"? Digam lá vocês isto em voz alta e vejam se acertam.
"Css-css"
Um de nós acertou: Era a portuguesíssima frase "Com licença", da qual ele só ouvia o css-css.
E, já agora, perguntem a um estrangeiro como é que ele traduziria a resposta à pergunta "Gostaste de..." a que nós podemos responder desta forma misteriosa (para um estrangeiro) "Ai não, que não gostei!" Duas negativas e tudo, para dizermos que gostámos muito...
Puerra, coitados dos profs de Português para estrangeiros...
E, como se escreve a cidade algarvia, cujo nome pronunciamos "Silvch"? E que quer dizer "Poich"? É sim, ou é não?
E há mais...

terça-feira, 22 de julho de 2008

Coisas de Primos...

A MESA PÉ-DE-GALO
ou
PRIMOS UNIDOS JAMAIS SERÃO VENCIDOS

No casarão ribatejano, pertença dos Avós, e habitado sazonalmente por uma chusma de descendentes e suas numerosas proles, havia uma mesa pé-de-galo.

Ignorada desde sempre, já tinha tampo novo, em madeira de qualidade inferior ao restante, e servia basicamente para os jogos de “king” e “canasta”, que os Tios gostavam de jogar. A Avó tinha sido mais adepta da bisca lambida, e zangava-se muito quando o parceiro não percebia os trejeitos faciais que revelavam as cartas que tinha.

Na sala grande, enquanto a miudagem retoiçava, os “crescidos” batiam as cartas todas as noites, chegando a formar três mesas.

O menino gordo, agora já crescido mas ainda gordo, casara e tinha filhos pequenos, mas isso não o impedia de alinhar em brincadeiras com os seus dezasseis primos e dois irmãos, todos mais novos do que ele.

Até que, um belo dia, a namorada de um dos primos apareceu com histórias dos poderes de uma mesa pé-de-galo: que se movia, que respondia a perguntas, que sabia o passado e previa o futuro.

Foi o que a primalhada quis ouvir. Sonegaram a mesa aos crescidos, que tiveram de arranjar outra para bater cartas, e formaram logo um pequeno grupo, curioso e corajoso, para explorar as potencialidades da mesa pé-de-galo.

Liderados inicialmente pela namorada do primo, em breve se estabelecia uma espécie de regulamento esotérico, que era forçoso acatar.

O grupo não poderia ser muito grande (chegavam a juntar-se oito primos à roda do tampo da mesa, com outros à espera de vez), mas convinha que fossem sempre mais do que dois; havia que respeitar a mesa, não dizer graçolas nem rir, com ou sem nervoso. Uma vez com os dedos sobre o tampo de madeira de pinho, sem carregar, não se podia cruzar as pernas (passava o fluido!). Crucifixos e medalhinhas também era conveniente tirar, porque aquilo não era lá muito católico, no sentido lato da palavra. O problema principal era que todos conseguissem sentar-se e pôr as mãos em tampo tão pequeno.

Não era preciso apagar luzes nem acender velinhas. As “sessões” faziam-se a qualquer hora do dia ou da noite, e em qualquer local da casa. Era frequente estarem os mais crescidos a bater cartas e a conversar, enquanto que, ao canto da sala, uma molhada de primos se curvava sobre a mesa, a fazer as suas perguntas, enquanto os mais pequenos gatinhavam por ali fora.

A namorada do primo ainda tentou convencer os primos que era necessário fazer-se uma invocação primeiro, chamar por alguém que já tivesse morrido, etc.. Mas em breve era forçada a desistir da ideia, pois a primalhada o que queria era ver a mesa “trabalhar”, e não tinha vocação para invocações, nem para chamar defuntos. Portanto, nunca chegou a haver ritual de qualquer espécie, e passou-se directamente à exploração sistemática das potencialidades da mesa pé-de-galo.

Todos se sentavam em volta da mesa, acotovelando-se, e colocavam as pontas dos dedos das mãos, ou de uma só mão, tocando levemente no tampo, como se estivessem a tocar piano mas sem carregar, tendo o cuidado de permitir que um dedo do próximo primo tocasse no seu, para fechar o circuito.

Toda a gente tinha sido repetidamente avisada de que, mal a mesa se começasse a mover, não se poderia romper o contacto com o tampo, e devia-se acompanhar esse eventual movimento, pois se se largasse a mesa, esta imobilizar-se-ia. Não poderia haver gracinhas nem risinhos nervosos, sob pena de a mesa parar de “trabalhar”.

As atenções da primalhada incidiam principalmente sobre os pés da mesa, para ver se algum dos três se levantava ligeiramente do soalho. Era frequente estar tudo com as mãos em cima da mesa e a cabeça debaixo dela, para mirar os pés.

Os crescidos paravam ocasionalmente para ver, sorriam com desdém, davam umas piadas, e seguiam. Aliás, às vezes queriam também participar, mas a coisa não resultava muito bem, especialmente com um dos Tios que, mal se chegava à mesa fazia, inexplicavelmente, parar tudo e ouvia logo um coro de “Ó tio, vá-se embora!”.

A mesa era tratada por “Ó Mesa, diz-me lá isto, diz-me lá aquilo...” e, por vezes, era interpelada com muita rudeza e grosseria, outras era apaziguada com elogios, do tipo “Ó Mesa, tu que és tão esperta, diz-me lá isto, diz-me lá aquilo...”

Estabeleceu-se um código para as respostas: uma pancada dos pés da mesa no chão para sim, duas para não. Os números eram pancadas, por exemplo, seis pancadas para o número seis, e, em caso de números grandes, a mesa era ajudada com perguntas tipo: “Bate sim se forem seiscentos, bate seis para seis mil”, etc., senão ficávamos ali todo o dia e toda a noite. As letras do alfabeto eram três pancadas para a terceira letra, C, seis para a sexta, F, etc.. Isto às vezes obrigava a que um dos primos fizesse de secretário da mesa, e anotasse as letras que ela ia indicando até formar palavras coerentes. Por vezes, não se esperava que a palavra fosse completada e perguntava-se à mesa se ela não quereria dizer isto ou aquilo, ao que ela poderia responder com simples sim ou não, encurtando os tempos de espera.

A mesa não tinha descanso aos fins-de-semana e durante as férias, altura em que a casa se enchia de primos, que, depois de darem os seus giros, tinham sempre tempo para dar uma voltinha na mesa.

Era conveniente procurar soalho sem tapete, para que as pancadas dos pés da mesa se ouvissem bem, e para que ela pudesse deslocar-se sem enrugar o tapete, coisa que a mesa conseguia com relativa facilidade, bamboleando-se ora num pé ora noutro, e abanando lascivamente o tampo.

Em breve se extraíram algumas conclusões empíricas e pragmáticas do regular funcionamento da mesa pé-de-galo:

1. Não valia a pena perguntar coisas que nenhum dos presentes soubesse, pois, nesse caso, as respostas eram geralmente disparatadas ou mentirosas. Mas desde o momento que algum dos presentes conhecesse a resposta, embora mais ninguém a soubesse, a mesa respondia correctamente.

2. Ficou amplamente provado que as previsões do futuro raramente ou nunca eram correctas. Ninguém acertou no totobola seguindo os palpites da mesa, embora se tenha tentado.

3. Quando se perguntava à mesa se fulano/a tinha um/a amante, ou se o/a namorado/a de sicrano andava com outra/o, a mesa respondia invariavelmente que sim, com pancada enfática e sonora. Inicialmente, chegou a haver
alguns problemas por causa disso, por parte dos primos mais crédulos.

4. Havia primos que tinham mais feeling para a mesa do que outros, conseguindo respostas mais rápidas e mais correctas, e um período de “aquecimento” mais curto.

5. Era frequente alguns dos primos ficarem com dores de cabeça depois de estarem sentados à mesa bastante tempo. Além disso, os mais impressionáveis levantavam-se ocasionalmente e iam espairecer lá fora ou dar umas trincas, até lhes ter passado a impressão.

6. A movimentação da mesa, sempre com os dedos dos primos sobre o tampo, mas nunca com o polegar debaixo do tampo, para o levantar, como, uma vez, alguém acusou sem qualquer fundamento, era considerável e arrancava exclamações de admiração a todos que viam. Até degraus desceu, a coitada, com os primos sempre à roda dela, e torcendo-se todos para não quebrar o contacto com o tampo, porque a mesa, sozinha, estava provado que não bulia. Se tal tivesse sucedido (a mesa mexer-se sem ninguém lhe tocar) talvez o menino gordo não estivesse agora a contar isto, e exercesse agora actividade bem mais rendosa do que a actual.

7. Era frequente e natural (já ninguém se espantava com isso) que a mesa ficasse equilibrada apenas sobre um dos três pés, com os outros dois levantados do soalho. Também conseguia andar pela sala, apoiando-se de pé em pé e com o terceiro pé a servir de apoio, obrigando os primos a grandes ginásticas, para a acompanharem sem retirar os dedos do tampo, pois este rodava alternadamente para a direita e para a esquerda.

Como podem ver, a abordagem à actuação da mesa pé-de-galo foi sistemática, fria e científica. Os resultados eram sempre mais importantes do que a causa. Esta cena durou muitos meses de várias férias e era retomada no ano seguinte, até os primos perderem interesse pela mesa, tendo-se então verificado que até um banco de cozinha servia, embora com quatro pés e, portanto, sem a instabilidade do pé-de-galo. Nunca ninguém pensou em invocar defuntos ou espíritos, nem contactar com nenhuma entidade sobrenatural que tivesse pachorra para vir de lá de cima (ou de lá de baixo) para responder a perguntas como “Onde está o meu canivete suíço?” “Qual é o número do telefone da minha miúda?”. Por acaso, o menino gordo, então já homem mas ainda gordo, veio a reencontrar um canivete suíço que perdera, graças às dicas fornecidas pela inefável mesa pé-de-galo. A entidade mais surpreendente, que falou por intermédio da mesa, foi um porteiro de cabaré, em Roma, que disse que estava a dormir enquanto nos respondia às perguntas, em frases que se revelava serem sempre em bom português, após descodificação das pancadas no chão. Mas o coitado em breve regressava ao Limbo, pois a primalhada não se interessou nada por ele.

A mesa, sujeita aquelas atrocidades todas, acabou por ficar empenada e com os pés meio soltos. Terminou a sua auspiciosa carreira de porta-voz do Além, quando um dos primos, insatisfeito com uma resposta obtida, a atirou contra a parede, inutilizando-a para todo o sempre.

A primalhada voltou-se então para representações teatrais, levadas à cena num anexo da casa grande, a que se chamava imaginativamente “casinha”. Mas isso já é outra história.

Contudo, o gordo ex-menino, já com filhos criados, ainda voltou ocasionalmente a servir-se dos préstimos de um tamborete (ou será escabelo?) com pé-de-galo que tinha lá em casa, tendo depois ascendido à utilização, mais rápida e eficaz, do velho pires voltado de fundo para cima, com uma setinha desenhada a esferográfica, e que deslizava sobre uma folha de papel (de preferência couché, para haver menos atrito) onde estava escrito o alfabeto todo, os números de 0 a 9 e as palavras “sim” e “não”, ou seja, a versão artezanal da tábua Ouija.

Passou-se até um caso curioso, com dois primos de sotaque francês e suas mulheres, mais um amigo de apelido estrangeiro, que vieram todos uma noite a casa do homem gordo ex-menino para uma sessão de pires, com chá e bolinhos.

O Menino era Gordo ou Uma História de Bruxas

O Menino era Gordo
ou
Uma História de Bruxas

Estava-se quase na década de cinquenta. O menino vivia em Lisboa mas passava longas férias em casa dos Avós, no Ribatejo, com numerosos primos e tios.

A Mãe do menino ainda pensava que gordura era formosura e, tanto ele como os irmãos, eram alimentados abundantemente, sendo a comida quase metida pela boca abaixo. Em resultado, e devido também a pouco exercício físico, o menino era gordo.

O menino não se ralava muito, pois lá ia conseguindo fazer como os outros meninos da sua idade: brincar às escondidas, aos cóbóis, aos casamentos e aos médicos, e até montava a cavalo e nadava no rio, com a malta do pé descalço. Nunca ninguém lhe falara em colesterol, obesidade, etc.. Às vezes tinha as perninhas assadas, coitado, e gastava as calças no entre-pernas, mas não passava disso. Para mais, gostava de comer, e naquela casa de férias ribatejanas comia-se bem: bela fataça, arroz de sarrabulho, cabidela, bacalhau no forno, torresmos, galinhas, coelhos e perus, grandes melões e melancias, laranjas e pêssegos carecas, até diospiros e romãs havia. E as sobremesas, meu Deus? Pão de ló, toucinho do céu, cruz de malta, mousse de chocolate com o açúcar deliberadamente mal batido, para haver aqueles torrõezinhos, o “pavé” russo, feito de palitos de “la reine” com natas, cacetes, broas... E o pão preto com água-mel, geleia e marmelada, e o mel das abelhas dos Avós, espremido ali dos favos, com restinhos de abelha e tudo?

Portanto, o menino era gordo. Já uma vez tinha sido levado ao médico, que receitara dieta rigorosa. Mas como se pode fazer dieta com aquela idade em que ainda não se namora, e com aquela comida a fumegar na mesa, todos os dias, três vezes ao dia, fora as ceias comidas na cozinha, quando se chegava mais tarde, e as fatias de pão com manteiga ou banha de porco (daquela amarela), levadas para o quarto, para comer enquanto se lia o Júlio Verne, o Emílio Salgari e o “Mundo de Aventuras”, e se deitava o olho às fotografias de actrizes mais descascadas do “Ciné-Monde”?

Havia na casa uma empregada antiga, já velha, viúva e de dentes estragados, como quase todas naquele tempo, que insistia em que o menino devia ir, com ela, à “bruxa” da Fajarda, para esta o tratar, pois toda a família dizia que o menino estava gordo demais, mas ninguém tinha coragem de lhe cortar a ração. A mulher garantia que a “bruxa” obtinha sempre bons resultados, já comprovados por muita gente dos arredores, que a consultara.

Mas o menino, cheio de tios com cursos universitários, médicos, engenheiros, arquitectos, etc., não estava assim tão convencido, e era comodista demais (e um pouco timorato) para se deslocar à Fajarda com a empregada.

Até que esta, um dia, trouxe um recado da bruxa da Fajarda: afinal não era preciso o menino lá ir pessoalmente; bastava que enviasse duas ou três peças de roupa, já usada e por lavar.

O menino gordo entregou à criada umas cuecas e um par de meias, devidamente sujas, para ela levar à inspecção da bruxa. A mulher assim fez, na sua próxima visita, e de lá voltou com instruções pormenorizadas e as peças de roupa do menino.

Durante a entrevista, a bruxa disse à velhota que sabia bem que o escrito que mandava ia para casa de gente com estudos, mas que, mesmo assim não receava mandar a receita, e garantia bons resultados.

O papel, escrito com caligrafia desajeitada mas sem grandes erros ortográficos, começava por dizer que o menino (que a bruxa nunca vira) era gordo demais porque comia demais e se mexia de menos. Depois, receitava uma dieta, listando os alimentos que deveriam ser proibidos, limitados ou permitidos. Por exemplo: carne e peixe, só cozidos ou grelhados; pão, só torrado e untado com um pouco de azeite; arroz, feijão, grão, massas, só três colheres de sopa por dia; couves, grelos, alface, etc., à vontade, e, sobretudo, nada de doces nem gorduras.

Ah, mas para que os resultados fossem a cem por cento, haveria que ir comprando à bruxa uns boiões com um creme feito por ela, de plantas e outros ingredientes naturais mas secretos, com o qual o menino se deveria untar completamente, todas as noites, antes de se deitar, tarefa considerável, devido à envergadura do menino.

Não eram necessárias rezas ou benzeduras, nem outros rituais. Os santos e os diabos não eram para ali chamados, o Livro de S. Cipriano não precisava de ser lido.

O menino pegou no papel escrito pela bruxa da Fajarda e foi logo mostrá-lo a um dos seus numerosos tios, que era médico de nomeada. O tio confirmou que, se a dieta fosse seguida, teria inevitavelmente como resultado uma desejável perda de peso, sem provocar carências vitamínicas nem perda de massa muscular. Acrescentou que a dieta estava perfeitamente adequada ao caso e à idade do menino, e que poderia ter sido receitada por qualquer nutricionista ou endocrinologista.

Não me lembro se o menino seguiu ou não a dieta, mas sei que nunca comprou qualquer boião de unguento à bruxa, nem pagou a consulta, se é que houve cobrança.

Tentemos desmistificar:

Parece evidente que não foi pela observação das peças de roupa (a não ser talvez pela medida do cós das cuecas) que a bruxa soube que o menino era gordo e que a sua família era culta. Para isso, deverá ter bastado um inteligente interrogatório à portadora, que a tudo iria respondendo, e, sem dar por isso, iria revelando idade, estatura, hábitos alimentares e lúdicos do menino, bem como pormenores sobre o seu ambiente familiar.

A correcção da dieta receitada terá podido provir de conhecimentos gerais e bom senso prático, bem como de alguma proximidade com o ramo de enfermagem, mas, sobretudo, de muita argúcia e experiência da vida. O unguento, possivelmente um adstringente moderado, poderia servir para consolidar, de forma inócua, o efeito de perda de peso e remover celulite, e seria, sobretudo, uma continuada fonte de receita para a sua autora e exclusiva produtora, que havia criado mercado para o produto, de cujo fabrico e comercialização detinha monopólio.

Tudo explicado, nada de bruxedo, nada de presciência; só bom senso, experiência, e saudáveis conhecimentos de psicologia e de marketing.

Mas, será que é indispensável desmistificar? Será que é obrigatório tentar explicar tudo, com lógica e realismo? Será que não é saudável acreditar em “bruxas”?

A “bruxa” portuguesa parece ter muito pouco a ver com o mito da bruxa de outros países, que nos é imposto em doses enormes, desde a infância. A “bruxa” portuguesa é mais “mulher de virtude”, curandeira e geradora de felicidade do que entidade perversa que envenena maçãs, adormece castelos inteiros e se desloca a cavalo de uma vassoura, para ir fazer umas modestas orgias e umas invocações ao Porco-Sujo, na clareira do bosque, uma vez por ano.

É um pouco como o “lobisomem” lusitano. Na região onde passei infância e juventude, o lobisomem era o sétimo filho de um sétimo filho (o que já é de realização difícil), o qual, nas noites de lua cheia, se rebolava na poeira de uma encruzilhada e se transformava, pobre coitado, em burro sarnento que ia escoicear as portas das casas, sem fazer mal a ninguém, até ao romper do dia. Toda a gente lá na vila sabia quem era o lobisomem local, e ninguém se incomodava com isso, ninguém o marginalizava, nem lhe chamava “burromem” em vez de “lobisomem”.

E quem se lembra ainda da “costureira”, aquela pobre moça condenada a estar sempre a coser à máquina, metida no forro das paredes? Sobretudo das paredes de madeira... Eu ouvi-a muitas vezes, e nem sequer era sempre à noite, e não me recordo de ter tido pesadelos por causa disso.

Faço daqui um convite e um desafio: Gostava que partilhassem comigo as vossas ideias sobre os mitos portugueses, juntamente com eventuais experiências que tenham tido ou julgado ter, comparando-os com os mitos de outros países, sobretudo os de climas frios e dias sem sol, esses sim, cheios de fantasmas, unicórnios, ninfas, espectros, elfos, duendes, grifos, monstros, vampiros, e outras criaturas sombrias do imaginário popular, que povoam alguns dos nossos pesadelos, mas que talvez não sejam assim tão terríveis, mas sim apenas dignos de dó, e em vias de extinção. É possível que, juntamente com a sua dissolução e destruição, levadas a cabo pela bruxa Tecnologia e pelo necromante Materialismo, que têm os seus mitos próprios, também percamos nós um pouco da nossa humanidade.

Aceitem, pois, o meu convite. Restituam um pouco de “vida” a moiras encantadas, gnomos, fadas, soldados-estragados, torres-da-má-hora, bruxas, lobisomens, marias-das-unhas, trasgos, costureiras emparedadas, papões, cabras-cabrês, e outras entidades míticas do nosso país, algumas tão desconhecidas e tão desprezadas. No Minho, como é? E nas Beiras? E no Alentejo? E no Algarve? E na Madeira e nos Açores? Gostava que me falassem disso, gostava de aprender convosco. E depois, quem tem medo de sentir um pouco de medo, de sentir aquele arrepiozinho gostoso, de ter a recordação do conforto dos braços da Mãe e do riso do Pai, quando a gente ia ter ao quarto deles, a chorar, porque estava um monstro debaixo da nossa cama?

Fico à espera de vos ouvir bater à minha porta, em noite fria e sem luar, com o vento a assobiar mansamente pelas frinchas, a cidade aquietada num torpor inusitado, num daqueles momentos em que, inexplicavelmente, se ouve o silêncio, e os amigos se entreolham, meio-contrafeitos.

Olha, não viste aquela sombra ali?... Seria...? Não, não pode ser, já não há disso há muitos anos, embora mas é ver a novela e saber se o Marcos engravidou a Clarissa, e se a Filosenda encontra o Gerson com a Débora em flagrante delícia.

Coisas da Tropa...

Mafra, Escola Prática de Infantaria, Companhia de Acompanhamento, Pelotão de Armas Pesadas, comandante Aspirante a Oficial Miliciano de Infantaria, 3T.
Manobras anuais da Região Militar de Lisboa, próximo da Lagoa Azul, Sintra.
Fogos reais. Alvos montados pelos Sapadores, sacos de terra na crista do monte. Apoio de armas pesadas de Infantaria (7,5 e 10,6, canhóes sem recuo e morteiros). BUM, BUM e mais BUM. Fumo e cheiro a pólvora. Calor. Dando apoio à tropa de atiradores que evoluia lá em baixo.
Ora, para quem não saiba, os canhões sem recuo 7,5 e 10,6 são armas anti-carro e anti-pessoal, que disparam projecteis perfurantes, que nem sentem os sacos de terra, pois são feitos para furar blindagens.
Como estes estavam na crista do monte, e não na encosta, os projécteis perfuravam-nos e rebentavam atrás do monte, fora da nossa vista.
Entusiasmo geral: não falhávamos uma (pudera, aquilo era sempre no mesmo sítio, ano após ano, e os azimutes já estavam empinados...).
Estalidos na rádio, vozes roufenhas e agitadas, e o rádio vem a correr para mim:
- Ó meu aspirante, fale aqui com o nosso comandante de Companhia, que está lá atrás, no Posto de Comando.
Era o Capitão L, conhecido por "O Dentinho de Armar", nome de código Avó 1. Gritos no rádio:
- Avó 3 (eu, o 3 já era o meu número profético, então) de Avó 1, Avó 3 de Avó 1, diga se me ouve, kapa!
- Avó 1 de Avó 3, ouço perfeitamente, kapa.
- Po.rra, ó B... Já f-deste a casa ao homem, po.rra!!
As minhas esforçadas tropas estavam, há que tempos, a destruir um palheiro de alvenaria, construido à revelia da zona militar, e que não constava na carta topográfica.
A seguir: "Como se desencrava um canhão de 7,5, e a visita de S.Exa. o Ministro do Exército, Coronel S.C."

Mais do Camões...


O Dr. V.L., prof do Liceu de Camões, em Lisboa, tinha um filho a frequentar o mesmo liceu, em ano anterior ao nosso. Quando o V.L. informou que ia haver teste escrito em breve, logo as nossas mentes pervertidas congeminaram corromper o filho do VL, para ele nos facultar o teste antecipadamente.
Lá nos encontrámos com o rapaz, que acedeu ao nosso pedido, mediante a oferta de pilhas de livros aos quadradinhos, rebuçados e demais subornos.
Foi à gaveta do pai, sacou o teste e veio entregá-lo. Copiãmo-lo laboriosamente à mão, devolvemo-lo ao filho do VL e fomos apresentá-lo a quem soubesse resolver aquilo. Acabou por ser feito pelo explicador de um de nós.
Resultado da nossa ingenuidade no crime: Quase 40 testes rigorosamente iguais, sem erro. Uma turma de pequenos génios!
O VL não era particularmente atento, mas era difícil ignorar cerca de 40 testes todos certos e iguais.
Inquérito. castigo do corrupto, castigo dos corruptores, turma suspensa. Vergonha nacional. Acho que o filho do VL não se conseguiu sentar durante uns dias...
O crime não compensa, nem no liceu.

Mais da Faculdade...

A "minha" FacLetrLx ficava na Rua da Academia das Ciências, no prédio da Academia das Ciências mesmo. Devia ser a única fac do mundo em que se entrava descendo escadas... Acho que eram as cocheiras do prédio. Havia uma sala tão estreita e comprida que lhe chamávamos o carro eléctrico. Quase nem se via ou ouvia o prof, lá ao fundo.
Bar? Que é isso? Nem havia associação de estudantes, quanto mais bar... Íamos estudar para a Fac de Ciências, na rua da Escola Politécnica, lá mais acima.
As folhas de presença eram distribuidas pelo "bedel", e todos tínhamos quem falsificasse a nossa, que era o mais simples possível. Lembro-me do Antero, que era ABC, da minha, que era B, e de outras. Faltava-se montes de vezes, mas selectivamente.
Em contrapartida, havia profs que reuniam alunos de todos os cursos (Clássicas, Filosóficas, Germânicas, etc), como era o caso do Vitorino Nemésio, da Virgínia Rau, do Justino Mendes de Almeida (meu conterrâneo), e de outras luminárias.
Circulavam listas de abaixo-assinados pela libertação de colegas presos. Havia profs que faziam curtas "férias" nos calabouços da Pide, houve um que até se "suicidou" misteriosamente...
As relações entre colegas eram menos más, pelo menos no que respeitava aos ninos, que eram escassos, mas bons. As ninas eram mais que muitas, formando grupos do Filipa, das Doroteias, do D.Leonor. Havia freiras e tudo, todas as ninas torpedeando-se alegremente, péssimas colegas entre si, mas boas colegas para a meia-dúzia de homens que por lá andava.

Mais do Camões...

Toda a malta cabulava. Toda, menos o Anacleto Gordo.
E uma vez ele chibou-se ao prof e foi um descalabro.
Fui encarregado de aplicar o castigo pelo chibanço. Mas o Anacleto percebeu que ia ser punido e deixou de ir ao recreio, e a mãezinha vinha buscá-lo ao liceu todos os dias.
Como aplicar o justo correctivo, votado pela turma, em assembleia secreta?
O prof de Física, o Piruças, anunciou que ia fazer uma aula sobre electricidade, com ampla produção de faíscas, na sala escurecida.
Era agora, ou nunca. O Anacleto Gordo estava sempre sentado na fila da frente, porque era pitosga. Eu, sentava-me atrás, como qualquer cábula que se preza.
Mal se correram as cortinas e a sala ficou escura, com ampla produção de faíscas, no estrado, levantei-me e fui à frente, pé ante pé, e apliquei um enorma chapadão ma mona do Anacleto.
Fiquei estarrecido de pavor: o Anacleto era careca!
Nada disso, era pior ainda: o prof Piruças sentara-se no lugar do Anacleto, para ver melhor as faíscas, e eu acabara de lhe dar uma tapona tão grande que ele quase caíu do banco.
Consegui voltar a correr para o meu lugar, antes que o Piruças, cambaleando, abrisse as cortinas e perguntasse, agarrado à careca, quem é que o tinha agredido, para que fosse expulso do liceu.
Claro que ninguém se chibou do carrasco. Toda a turma foi suspensa, e o Anacleto Gordo acabou por levar com a sentença.
....
Acharam giro? Copiei isto de um livro de Erich Kastner, "Emílio e os Detectives". Ou julgaram que era verdade?

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Coisas da Faculdade...

A velha Fac de Letras de Lisboa, situada nas caves e cocheiras do palacete ou convento que foi a Academia das Ciências, devia ser a única escola superior do mundo para a qual se entrava descendo escadas...
Havia uma aula tão comprida e estreita, que lhe chamávamos "o carro eléctrico", e a penumbra era tal que mal se via a secretária do Mestre, lá ao fundo. A Aula Magna metia respeito, com os quadros retratando antigas personagens da cultura lusa.
Mas foi aí que tivemos o previlégio de ouvir dissertações magníficas de Lentes e Assistentes, que nos deixavam de boca aberta de pasmo e de puro goso intelectual.
E eram tantos, Sued! Nem me atrevo a citar nomes, para não ofender a memória de nenhum. Mas não resisto a deixar caír um nome: Vitorino Nemésio. Aulas? Não, aquilo eram mais charlas, evocações, confidências, tudo ao sabor da corrente, sem preparação que se visse. Uma delícia. O pior era quando queríamos tirar apontamentos...
Muitas ninas, raros ninos. E, entre estes e aquelas, padres e freiras, com certa fartura.
A velha Fac de Letras de Lisboa era a coutada de caça dos manos de Ciências e de Direito, que iam para lá catrapiscar as nossas coleguinhas. Nós, com aquela abundância toda ao nosso dispor, íamos, parvamente, caçar fora. Tanto quanto sei, apenas um ou dois dos meus colegas veio a casar com prata da casa.
Nem Associação de Estudantes havia, quanto mais salas de estudo...
Eu ia para a Escola Politécnica, lá mais acima, para estudar e conviver. E namorei muito, naquele jardim botânico, mas isso fica para depois.
Nesses tempos, o meu Pai ensinava na Fac de Ciências. Um dos meus gosos era perguntar aos alunos, que eu sabia serem dele, se tinham lá um prof assim e assado e como era ele.
Os manos desabafavam comigo, pois o Pai era exigente e avarento nas notas, e chamavam-lhe aqueles nomes todos que vocês estão a imaginar. Ao que eu respondia, com ar ingénuo: "Tem graça, ele lá em casa não é assim..." O pânico era generalizado, quando percebiam que tinham estado a insultar o meu Pai, convencidos de que eu lhe poderia ir fazer queixinhas.
Assim se passava.
Relembrando...

Coisas de Santa Cruz...

O meu Pai era grande caçador mas trazia para casa os animais malferidos, tratava-os e libertava-os, depois de curados.
Férias de verão em Santa Cruz, numa casa alugada ao mês, eu putíssimo, a paletes de anos de hoje.
Retrete era cabana no quintal, com buraco à turca, papel espetado num prego da parede de tábuas, mais uns pregos a servir de cabides, porta desconjuntada com fecho prehistórico. Quem quisesse luz, trouxesse vela ou candeeiro de pitrol. De dia, havia as frinchas de ventilação e iluminação ecológica...
Coruja adulta, com asa partida e já em talas, depositada pelo Pai na madeiral estrutura, durante o dia, sem dar cavaco à malta de casa.
De noite, jovem tia sente apertos, pega em velinha acesa e segue para a retrete, no meio do quintal. Entra, desprevenida e assusta a coruja, alapardada no escuro, e que desata a esvoaçar pela casota, largando penas por tudo que é sítio e piando gemidos fantasmagóricos e lúgubres. Vela apaga-se jovem tia grita de terror e sai aos berros, juntamente com a coruja desasada. A família acorre, em tropel.
Consta que a jovem tia, depois de breve episódio diarreico, nessa noite de medo, teve uma prisão de ventre que perdurou durante o resto das férias, nunca mais havendo entrado na casota dos cocós, lá em Santa Cruz, há paletes de anos.

Coisas da Primária...

Na Primária, era obeso e usava óculos, combinação perigosa que atraía alcunhas.
Aguentava, sereno.
Mas, um dia, ao saír de casa para a escola, decidi que batia no primeiro que me chamasse coisas.
Por grande azar, foi o G., o mais matulão e forte da escola.
Lancei-me ao tipo, houve ajuntamento e gritos de "Porrada, porrada!"
Claro que levei muito mais do que dei, e cheguei a casa com a beiça inchada e os óquinhos partidos, e ainda levei mais do Pai.
Mas ganhei o respeito da malta toda: fui o gajo que desafiou o G. para a porrada. O próprio G. ficou mais ou menos meu amigo e até protector.
Coisas de gajos...

Coisas do Camões...


Relembro...

O "Boris" era o favorito da turma, porque sabia inventar torturas para os professores, e até imitava os seus gemidos e gritos de dor.
Era também um dos piores alunos daquela turma do Camões.
Já há muito que tínhamos desistido de estudar Fisico-Quimica, porque o Chinó (o prof) era tão exigente que nem valia a pena. Excepto os 2 ou 3 ursos da classe, já ninguém sabia nada de Fisico-Química.
Um dia, no anfiteatro de Física, o Chinó pergunta solenemente, olhando-nos com certo desprezo e desconfiança:
- Quem sabe dizer a fórmula do sulfato ácido de nitrosilo? Olhem que é ácido, hem?
E ficou à espera. Os 2 ou 3 ursos começaram afanosamente a escrevinhar e a torcer os cérebros, mas foram interrompidos pelo levantamento da pata gorda do Boris.
- Eu sei, sotôr - disse ele, perante o espanto de todos, no anfiteatro.
O Boris, o super-cábula, sabia a formula do sulfato ÁCIDO de nitrosilo? Abra-se o firmamento e caiam os deuses do Olimpo!
O próprio Chinó nem queria acreditar no que ouvia.
- O aluno sabe? Sabe?
- Sei, sim, sotôr, ora essa.
- Bem, então diga lá, mas olhe que é sulfato ÁCIDO.
- Claro, sotôr - replica o Boris, já de pé, impávido e sereno, com toda a malta a olhar para ele, inclusive os 3 ursos, furiosos.
E disse:
- A fórmula do sulfato ácido de nitrosilo é SO4H2.
A única fórmula que toda a gente sabe, a chamada fórmula dos cábulas.
O Chinó só conseguiu dizer, balbuciante:
- Rua!
E o Boris saiu vagarosamente do anfiteatro.
Lá fora, foi muito cumprimentado.